domingo, 31 de outubro de 2010

Em busca da salvação

 Todos procuram, de alguma forma, a salvação. Mesmo quem não se encaixa na categoria de religioso fervoroso (como eu) a busca. Como? Aplicando a moral na sua vida. A moral não é matéria exclusiva da religião; aquela precede essa, tendo nascido junto com a própria convivência em grupo na Humanidade. Nesse sentido, a diferença entre os religiosos fervorosos e os que não são reside no fato de que esses se preocupam muito mais em aplicar princípios morais nos quais acreditam pela razão ou emoção do que em seguir de forma estrita e cega ordens supostamente vindas de uma entidade superior.
    Mas esse não é um texto filosófico sobre moral e religião; de novo, abordo a política. Muitos políticos brasileiros parecem ter esquecido completamente a moral em suas vidas públicas, a julgar pelos já bastante conhecidos casos de corrupção e mesmo do fato de negarem ad aeternum a sua culpa. Muitos o fazem. Amém.
     Entretanto, queridos irmãos, a religião só é invocada quando convém no cenário brasileiro atual. Quando vários dos nossos amados governantes praticam a corrupção, especialmente desrespeitando o mandamento cristão "Não furtarás", eles se esquecem de todas as doutrinas cristãs que proíbem tal prática. Mas quando as eleições chegam e uma questão carregada de cunho religioso vem à tona, mais uma vez ela é relembrada por partidos, governantes e candidatos.
      Que coincidência! O que eu escrevi se aplica muito bem a esse segundo turno, presidencial, no qual os dois candidatos dizem ser contra o aborto, a favor da vida e da família, discurso tipicamente religioso, incitado por causa de declarações de que Dilma era a favor do aborto.
      Esta será, infelizmente, a questão que norteará as eleições: quem é verdadeiramente o candidato cristão, Dilma ou Serra? Essa é a pergunta que milhões de católicos, evangélicos e espíritas (obviamente, os fervorosos) se fazem diante da escolha que têm de fazer. Como eu já disse aqui na postagem anterior, para que se preocupar com questões como economia, política externa, desigualdade social, concentração fundiária, direitos sociais? Bobagem...
       Aos nossos queridos iludidos religiosos, eu digo: apenas Deus sabe até que ponto os posicionamentos de certos políticos traduzem suas verdadeiras crenças...
       É revoltante ver uma eleição ser praticamente decidida pela religião, mas é isso que vai acontecer. Cabe aqui elogiar sinceramente Marina Silva, que não usou o púlpito como palanque e que sempre quis preservar o Estado Laico. Não, ela não é atéia, pelo contrário, é evangélica; e assim, prova que a razão e a moral política não são exclusivas dos céticos.
        A grande maldição da tradição política brasileira é a busca do messias. O povo sempre está esperando por apenas um líder que consiga, sozinho, consertar o país. E agora o termo "messias" se torna mais apropriado ainda, em vista do caráter religioso desejado por muitos eleitores em seus governantes.
     O que fazer agora? Só sei que continuo a minha eterna cruzada: buscar a palavra que pode verdadeiramente nos salvar. Deixo aqui um antigo poema meu, mas que vale a pena relembrar:


Revolução


 A palavra destrói os grandes reinados;

por trás de uma gota de sangue, tinta azul há.

A palavra que afaga, que sorri amiga,

é a mesma que pode chicotear.


Da coroa de ouro e de diamantes,

com punhais a palavra há de se armar.

A palavra destrói os grandes reinados;

por trás de uma gota de sangue, tinta azul há.


Escrita em lágrimas ou em sorrisos,

nos olhos, na alma, estática jazerá.

Mas se a transcrevermos numa folha amarelada,

rubros corações há de sangrar.


Espada de luz que nos banha em tormento,

riso febril que traduz sofrimento,

leal traidora a nos circundar.

A palavra que afaga, que sorri amiga,

é a mesma que pode chicotear.



PS: Happy Halloween...

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Vórtices: entre o livro, a cruz e a espada

   Estou de volta. Sim, eu sei que saí sem avisar, e me ausentei por longo tempo, tudo isso devido ao fato de eu ter começado a cursar Direito na UERJ em agosto. Como já disse antes, no poema "Monotonia", eu precisava de um mundo novo para explorar, e devo dizer que o mundo uerjiano me sugou como um vórtice: vários textos interessantes e volumosos para ler, festas, amigos, provas... Mas não desejo me eximir de culpa: eu deveria ter avisado a vocês de que me ausentaria bastante, poucos e bons leitores desse blog. Cogitei mesmo fazer isso, mas terminei por sequer concluir a postagem de requerimento de licença poética pelo mesmo excesso de compromissos e cansaço, que existiu desde o instante em que entrei na UERJ.
   Mas agora voltei. Sei que logo o vórtice universitário me pegará de novo, mas agora que tive a chance de emergir por um breve período dele, vou falar de um outro turbilhão aqui: as eleições brasileiras.
   No primeiro turno, vimos vários candidatos mal articulados, com propostas vagas e utópicas, e não raro encontramos aqueles na prática abertamente corruptos. E agora?
   Agora chegamos ao segundo turno, de caráter exclusivamente presidencial, e ganhamos uma maldita surpresa: as eleições serão decididas pelos evangélicos, espíritas e católicos fervorosos. A controvérsia sobre a posição dos candidatos a respeito do aborto e do casamento gay dominou a cena política. Por quê, Deus? 
   Não é preciso ter uma visão para descobrir a resposta. O Brasil é um país em que a religião tem mais influência política do que na maioria das nações ocidentais. Não sejamos inocentes: em qualquer país do mundo, pareceres religiosos influenciam de alguma forma a política. A religião está enraizada na maior parte dos seres humanos, de tal forma que agem muitas vezes de acordo com ela. Mas essa influência, na maior parte do mundo ocidental, foi bastante reduzida, a ponto de não decidir eleições. O Brasil, mais uma vez, é exceção.
    Será que Dilma quer a legalização do aborto? Será que Serra é o verdadeiro candidato cristão? Infelizmente, essas se tornaram questões fundamentais para as eleições brasileiras. Por que se preocupar com coisas secundárias como distribuição de renda, melhores serviços públicos, políticas econômicas internas e externas? Bobagem! Vamos falar do respeito à vida dos fetos, mas não nos preocupemos com os que já saíram do útero materno e aqui vivem, nesse Brasil...
    Quando eu era criança, ficava entusiasmada com as eleições. Assistia todo o horário eleitoral e chegava a decorar as músicas de campanha de alguns candidatos. Agora que cresci, vejo que praticamente nenhum político brasileiro mereceu essa reação de uma pessoa. Isso vale para o momento atual principalmente. O triste é ver que muitos eleitores não cresceram, são crianças que ainda saem por aí com os olhos brilhando ao divulgarem seu messias. E uma coisa muito lamentável também é ver o nível geral da propaganda política.     
    Como se não bastasse a exposição vaga das propostas de governo (quando elas existem) e o ataque hiperbólico ao adversário, há sempre aqueles slogans ridículos e tentativas lamentáveis de criar empatia com o povo, que ultrapassou a esfera do "Jovem vota em jovem" e alcançou o nível de se contratar cabos e fantasiá-los de caixinhas de leite (estampadas com a foto de um certo candidato cujo sobrenome é Leite) para que eles dancem no sinal. Não preciso citar os nomes dos políticos que se prestaram a isso, os cariocas os conhecem bem...
      O pior é ver que o povo se presta a esse circo. E quanto mais nos afundamos em ignorância e desinteresse político, pior fica. Ao contrário do que disse o famigerado deputado eleito por São Paulo, pode ficar muito pior, sim.  
       Deixo aqui um poema meu, intitulado "Brasil". Apreciem a ironia...
      
Brasil
      
Ó terra dos quentes trópicos,

onde se sepultam sonhos utópicos

e objetivos surreais!

Tu és bela como a brisa marítima,

que faz voar os cabelos das raparigas,

e que sacode as folhas dos coqueirais!



Como um cravo que nasceu do fogo,

como uma estrela feita de ouro,

adejas neste céu anil!

Como um sabiá a cantar,

repousa, lânguido, sobre o mar,

tu és o nosso Brasil!



Ó Brasil tão cantado,

país tão famigerado,

aqui venho louvar-te!

Nos meus versos o homenagearei,

tal qual um grande rei,

que a seus pés venho prostrar-me!



E apesar das colossais impurezas,

possuis tantas belezas,

e virtudes sensacionais!

Brasil meu, és terra dos quentes trópicos,

onde se sepultam sonhos utópicos,

e objetivos surreais!