quinta-feira, 29 de julho de 2010

Poesia metalinguística e auto-crítica

  Acordei hoje com um espírito metalinguístico e resolvi reunir aqui alguns belos versos que falam sobre a Musa e o poeta. Convido você, leitor, a comparar dois poemas meus dessa mesma temática: "Sopro de água", que aparece bem no início de "Coração in vitro", e "Bela Balada", os penúltimos versos do meu livro, que inclusive foram postados em fevereiro, mas que orgulhosamente retomo.

 Sopro de água

Minha pena dança sobre o alvor do papel
e nas palavras encontro o meu refúgio;
tirando dos meus olhos todo o pranto,
afogo-me de novo em um mar turvo.

Oh, pobre sofrimento inconstante,
que me mata e me deleita como a uma rainha,
pois, se da dor tiro eu esperanças,
de teu ventre geras alegria!

E somente quem se empenha, de todo,
na graciosa arte de escrever
sabe que o lodo pode ser perfume
ao mesmo tempo, mas a diferente ver.

E esta abundância que explode em minh’alma,
de belas rosas de emoções distintas,
dá-me sempre uma fugaz certeza:
hei de ser eternamente serva e rainha.


Bela Balada

Fazer sentir o vibrar da emoção,
e ser eterno o fugidio lampejo,
perenizar o bater do coração,
iluminar a luz de um triste beijo,

Enevoar o mundo na boa bruma
que se assemelha ao soprar do vento;
diferenciar cada um dos mil arquejos,
fantasmas com a corrente do tormento.

Nas palavras, pouco a pouco, construir
etéreo e diáfano refúgio,
de onde se veja o mundo com clareza
e onde se possa abrigar contra o Dilúvio.

Aprisionar emoções, momentos, não é esse o meu intento,
a intenção do poeta é a expansão;
Permitir, humilde, as sensações ocultas em suas palavras,
como uma música, viver em eterno movimento,
graça estrelar e, principalmente, transmutação.

  Sei que um escritor não deve comentar muito sobre seus próprios textos com os leitores, para que haja várias interpretações diferentes sobre a mesma obra, mas tenho que dizer que da criação de "Sopro de água" até "Bela Balada", evoluí bastante literariamente. Do nascimento daquele a esse transcorreram dois anos. No primeiro, o eu-lírico tem na Poesia o alívio e a retomada de suas dores, e entram em foco as contradições em sua alma; no segundo, o trabalho do poeta é abordado de forma mais completa, mais vibrante e ao final refuta-se a idéia de que aquele apenas cristaliza emoções sob a forma de palavras para conservá-las eternamente.
  Se alguém encontrar em minhas palavras outros sentidos, deixe um comentário e eu terei prazer em ler e responder (talvez até em outro post desse blog).



  Carpe diem!

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Lutando com palavras...

  Há pouco tempo assisti ao documentário "Encontro marcado com o cinema", de Fernando Sabino e David Neves. É um exemplo perfeito de diálogo entre diversas artes: o cinema e a literatura, com um pouco de música, entremeados de política.
  O filme começa com Manuel Bandeira, "O Habitante de Pasárgada". Essa parte é toda em preto e branco, e o poeta aparece solitário, primeiramente andando nas ruas, ao som de uma melancólica música clássica, e depois em sua despojada casa. O primeiro poema que o bardo recita é "Testamento", em que o poeta coloca um tom de lamento e fuga, mas em uma linguagem simples, o que mostra bem o Manuel modernista de alma romântica, lado seu que ele próprio reconhece em verso em outro texto. Mas Bandeira não se resume a isso, como vários outros versos evidenciam, embora seu desejo de fugir seja parte importante de sua lírica.
   Outro momento que me impressionou muito foi "O Fazendeiro do Ar", protagonizado por Drummond, o bruxo, cuja Poesia foi tão diversa e encantadora, que é difícil acreditar que a Musa possa ter sido tão generosa com um homem. O escritor, tímido e avesso a entrevistas, se abre de uma forma surpreendente, falando sobre vários assuntos importantes em sua vida. Além disso, não posso deixar de mencionar os dialógos entre um menino e a estátua de Drummond na praia de Copacabana, o que foi retirado de uma outra produção, "O menino e o poeta", na qual vários versos do bruxo são recitados por ele próprio.
  Entretanto, apesar de o bruxo e o bardo serem umas das minhas maiores influências poéticas, a minha parte favorita do filme foi aquela sobre Vinicius de Moraes, "Poesia, Música e Amor". Vinicius soube abraçar belamente a Poesia e a Música, artes irmãs, que nos tempos antigos eram uma só na voz dos aedos, que tocavam cítara e simultaneamente cantavam versos criados na hora. O que mais me impressionou foi a informação de que ele, aos seis anos, produziu seu primeiro poema, de estilo romântico e linguagem muito formal. Os versos foram dedicados a uma menina de sete anos, e o poetinha diz que desde o início se sentiu atraído por mulheres mais velhas.
   É claro que o documentário não se resume a esses três grandes artistas: há ainda "O Curso do Poeta" (João Cabral de Melo Neto), "Um Contador de Histórias" (Érico Veríssimo), "Na Casa de Rio Vermelho" (Jorge Amado), "Veredas de Minas" (João Guimarães Rosa),"Em tempo de Nava" (Pedro Nava), "Romancista ao Norte" (José Américo de Almeida), "O Escritor na Vida Pública" (Afonso Arinos de Melo Franco) e um extra, "Encontro marcado com Fernando Sabino" (dirigido por Bernardo Sabino, que não está disponível na Internet infelizmente).
    Certamente esse filme deve ser assistido por todos os amantes de literatura e de cinema. Ele nos aproxima muito de artistas ilustres que a minha geração não teve o prazer de conhecer pessoalmente, mas que são imortais em suas obras. Manuel Bandeira disse, em um poema, que duas vezes se morre; uma na carne, e outra na memória, no espírito. Mas isso não se aplica nem ao próprio poeta nem a todos os outros que apareceram nesse documentário.