sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Alma romântica

  "Sou romântico? Concedo./Exibo, sem evasiva,/A alma ruim que Deus me deu."
  Esses são os três primeiros versos da segunda estrofe do poema "Sextilhas românticas", escrito pelo excelente Manuel Bandeira. Talvez você, leitor, esteja confuso, pois não era para o bardo ser modernista? Sim, ele é, mas isso não impede que Bandeira tenha recebido influências românticas, como esse e vários outros poemas (entre eles o famosíssimo "Vou-me embora pra Pasárgada" e uma versão de "Belo Belo") lindamente revelam.
  Alguns ainda acham, contrariando a clareza trazida pelo tempo, que o Romantismo brasileiro deve ser desprezado. Não digo que o Romantismo é melhor que o Modernismo, mas certamente aquele nos deu versos belos, e se influenciar textos modernistas ou contemporâneos positivamente, qual é o problema?
  O próprio Mário de Andrade, um dos mais importantes líderes do movimento modernista da primeira geração, ao longo do tempo, reconheceu que deve haver liberdade artística, e que escolas literárias passadas, como o Romantismo, podem sim influenciar o Modernismo com bons resultados.
  É nesse espírito que coloco aqui alguns versos meus que evidenciam a vertente romântica da minha alma. Um abraço para Bandeira e para Andrade!


Olhos vítreos 


Meus olhos são impuros, pois provém da mistura
de elementos diáfanos, translúcidos, surreais,
talvez não impuros, talvez somente sejam
um par de olhos irreais.


 Meus olhos são filhos do ar invernal,
ao mesclar-se com a superfície da água
pura, límpida, gélida, luzidia,
e desses dois com mil lágrimas diáfanas.


Não obstante, diamantes de fogo
teimaram, nesse feitiço, entrar,
tecendo, com desvelo, escassos fios de ouro
que quebram a tundra do meu olhar.


Estrelas de gelo, cometas errantes
perdidos na imensa e larga vastidão
dum Universo paralelo, criado por mim,
ou pelos caprichos do meu coração!


Assim são meus olhos;
como as calotas polares, ninguém irá adivinhar
que pulsa o sangue, explode o magma,
dentro do Vesúvio do meu olhar.


 Tênue coração


Meu coração pulsa doidamente,
febrilmente, ávido de emoção,
como uma criança a correr pela casa,
como o vento que uiva e corta qual uma navalha,
como se fosse uma sina, uma maldição!


Grande sonhador sem rumo certo,
com asas do tamanho do firmamento,
ainda voas pelos mais fascinantes lugares e desertos;
tuas asas não excedem teu sofrimento!


Encontra-se imerso na rubra inquietude,
que se transmite pelo meu olhar, o meu coração!
Uma doce fome pelos sentimentos da vida,
marcada pelo compasso instável de sua alegre pulsação!


Chamam-te tênue porque perdoas a teus inimigos,
não importando quantas vezes ousem te despedaçar!
Sorris calorosamente a desconhecidos,
não pensando que podes vir a agonizar.

Não chamo-te tênue; chamo-te forte,
como é forte um corajoso leão,
pois bravamente suportas o teu tormento,
pois ainda lutas, meu caro coração!


Não te tenho piedade; a misericórdia
é para os que, vencidos, se encontram desesperados;
ainda lutas, embora ensangüentado,
pelo mesmo mundo de que de ti riu!


És nobre e conserva essa nobreza,
como da prata há a eterna pureza,
às vezes alegre, às vezes triste!


És nobre, purpúreo, mas não te rebaixes nem curves
ao mundo que te acusa e que a ti ruge,
que te acusa injustamente com o dedo em riste!


O Poente

A tarde ia-se embora,
levando consigo as rosas,
que o Sol fez desabrochar!
As rosas, agora, eram outras,
no ar estavam soltas,
ao mundo iluminar!



Eram rosas, rubras e belas;
Eram flores, pálidas e singelas,

que, nas trevas, sozinhas, luziam!
E duvido que alguém percebesse, além de mim,
o cântico sem fim,
com que elas nos advertiam:
“Mortais, ouvi com atenção
o seu pobre coração,
para não serem como nós, sofredoras;
vivemos à Eternidade, sim, confessamos,

mas já fomos humanas e cem lágrimas derramamos,
estamos presas e não soltas;
Presas dentro de nós mesmas,
e apesar de sermos estrelas,
preferiríamos ter sido loucas”.


Afinal, esses raros primores
recusaram todos os amores,
que o Destino lhes oferecia;
Por medo, receio ou pânico,
viraram-se em puro pranto,
em estrelas esquivas.