segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

A maldição de Cassandra

  Cassandra é a minha personagem favorita da queda de Tróia. Há muitas versões sobre o mito dessa princesa troiana, mas todas concordam que ela era uma grande e desacreditada profetisa. Segundo a vertente predominante, Apolo, o Deus da Verdade, amou Cassandra e deu a ela o dom da profecia. Entretanto, a moça não o aceitou, e o Imortal lançou-lhe a maldição de que ninguém jamais acreditaria nas previsões dela, embora todas se cumprissem.
  Assim, Cassandra passa toda a guerra de Tróia alertando as pessoas sobre a queda da cidade e ninguém crê nisso, ignorando solenemente o fato de que as outras predições da princesa eram reais. Se tivesse sido escutada, muitos troianos poderiam evitar a morte saindo de lá... 
  Várias pessoas carregam um pouco dessa profetisa dentro de si. Muitos passam boa parte da vida falando sobre o que acontecerá se nada for feito, e poucos escutam de verdade.
  Mas por que estou eu falando desse mito? Por causa das chuvas na região serrana. Choveu bastante, mas não sejamos tolos a ponto de culpar a natureza pela catástrofe que aconteceu. A ocupação das encostas dos morros foi o principal motivo. Tanto casas miseráveis como condomínios de luxo foram construídos nas encostas, tirando de lá a vegetação original que manteria o solo no lugar em caso de temporais violentos. Assim, a força da água tornou-se absurda quando as tempestades caíram, e os deslizamentos aconteceram, desabrigando, ferindo e matando muitas das pessoas que viviam próximas a esses lugares.
  Muitos já alertaram sobre o perigo da ocupação de encostas; eu mesma já o fiz, aqui mesmo nesse blog, por ocasião das chuvas de abril no Rio de Janeiro em 2010. Mas o poder público ignora. É mais cômodo deixar as favelas onde estão do que realizar políticas de reassentamento daquelas pessoas, o que, além de custar dinheiro, geraria perda de eleitorado para vários políticos, porque muitas vezes essa população prefere ficar onde está por ser mais perto de seus locais de trabalho e de lugares com melhor infra-estrutura. E quanto aos ricos, no país de Collor, Sarney e Calheiros, não é difícil saber que artíficio a classe alta usa para poder construir suas mansões em áreas que deveriam ser de proteção ambiental...
   São em momentos como esse que vários estudiosos, intelectuais, ou simplesmente pessoas de bom senso se sentem como Cassandra. Eu partilho desse sentimento, mesmo sendo desconhecida do grande público, porque dei meu aviso da forma como podia e ele foi, como todos os outros, muitos de pessoas famosas, ignorado. 
   Como na ocasião das chuvas de abril de 2010, deixo aqui o link que informa onde fazer doações para as vítimas do desastre deste ano. Além disso, uma outra forma de exercer a solidariedade é fazer trabalho voluntário, tanto nas cidades atingidas pela catástrofe, como em outras que estão arrecadando alimentos e diversos itens, e precisam de pessoas para empacatá-los e organizá-los para o envio. Uma boa opção é procurar a Cruz Vermelha, cuja filial no Rio fica na Praça Cruz Vermelha 10, no Centro. A instituição abriu uma conta para receber doações em dinheiro: Banco Real Ag. 0201 c/c 1793928-5. É necessário lembrar que há filiais dessa organização em várias cidades brasileiras.
   Deixo aqui a minha revolta, que todo bom intelectual, artista ou não, deve ter experimentado. Afinal, desde a Antiguidade, há aqueles que preferem, como disse Veríssimo, quebrar o espelho quando esse reflete o que não querem ver. A maldição de Cassandra continua; e como ela, mergulhamos nessa angústia de ver Tróia cair.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Receita de ano novo

 Olá, meus leitores! Sim, eu sei que esse post deveria ter saído no dia primeiro, mas como todos já sabem, um novo ano só começa mesmo em um dia de semana, logo aqui estou eu hoje.
  Para 2011, faço promessas literárias. Dentro de algum tempo, terei registrado mais poemas meus na Biblioteca Nacional (o que faço com toda a minha obra). Assim, meus versos mais recentes serão mostrados aqui!
  Há outras promessas literárias também, mas essas prefiro não contar, e surpreender a vocês. Por hora, deixo aqui esse texto de Drummond para que todos construamos 2011 muito bem:


Receita de ano novo  

Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?)

Não precisa
fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumidas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.


Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.