terça-feira, 6 de abril de 2010

Rio, a lamentável Veneza brasileira

   A chuva está caindo por toda a cidade, e hoje ela será o assunto do meu blog. Entretanto, não falarei do tema da forma poética tradicional, cantando como a chuva induz aos devaneios, lembranças e sonhos, tampouco escrevendo sobre a beleza da manhã fria e chuvosa...
   Não, a chuva no Rio de Janeiro é um tema social. Mais uma vez, essa cidade caótica transformou-se na Veneza brasileira. Que o bardo Manuel Bandeira me perdoe por chamar o Rio, e não o Recife, por tal título, mas é a verdade. Basta olhar para o estado lamentável da Cidade Maravilhosa: muitas ruas viraram rios, com direito a sacos de lixo boiando, e vários deslizamentos de terra ocorreram, deixando muitos mortos e desabrigados... Infelizmente, comparar o Rio à Veneza assume conotações negativas...
   A verdade é que não só o Rio de Janeiro, mas também Niterói e outros municípios metropolitanos e serranos enfrentam essa situação. E é ingenuidade culpar a atmosfera por esses problemas; a verdadeira culpa é da falta de infra-estrutura dessas cidades. Afinal, por que não projetar ruas mais altas? Por que não evitar que o lixo se acumule em bueiros? E por que não evitar o desmatamento das encostas, que, desprovidas de sua vegetação original, absorvem menos a água, a qual ganha força e arrasta grandes pedaços de terra, casas e pessoas morros abaixo? Por que não impedir a ocupação das encostas, para evitar muitos desaparecimentos e mortes?
    As respostas são óbvias. Projetar ruas mais altas e cuidar mais do saneamento básico geraria um grande custo para o governo. E a questão das encostas é ainda mais delicada: muitas pessoas de baixa renda constroem ali suas casas, mesmo com o perigo dos deslizamentos, porque não conseguem imóveis baratos em lugares perto de seus trabalhos. Reassentar esses cidadãos daria muito trabalho, e faria que muitos deixassem de votar nos políticos responsáveis por isso, porque preferem ficar nas encostas. No entanto, não é muito mais alto o custo de dezenas (ou centenas) de vidas humanas perdidas? Não é esse custo que deve ser a prioridade para o governo?
   Como se não bastasse, enquanto o Estado do Rio de Janeiro enfrenta esse dia infernal, o nosso amado governador Sérgio Cabral faz propagandas sobre o PAC.  Fez muito bem, Cabral; por que um governante se preocuparia com o bem-estar de seu povo em uma situação oficial de estado de calamidade pública?
   Para melhor marcar a minha indignação, deixo aqui um poema, retirado do meu livro "Coração in Vitro".  Continuarei empregando todos os meus esforços para que a situação descrita nestes versos acabe o quanto antes.

Ditadura velada


Vivemos ignorantemente felizes,
com o sol a iluminar a vitrine das lojas,
e o pobre mendigo a dormir na rua, calmamente.
Entretanto, há um mundo maior
que o da vizinhança, dos mercados.
(Nós somos o mercado,
que sofre e que nunca é pago,
pois nós pagamos).
Pouca gente sabe, e "gente" aqui é o povo,
a quem tudo se destina e que nada recebe,
pouca gente sabe que somos iludidos
pelos empresários, pelos senadores,
pelos vendedores, pelos deputados.
Somos enganados a ponto de achar
que vivemos numa democracia.
Qual! A democracia cabe aos governantes,
a nós cabe a obediência.
Temos nossas mãos atadas,
somos mudos, não surdos, porém
nada fazemos para acabar com isso.
Nossa memória é curta,
não somos explosivos.
Somos subservientes,
totalmente passivos.
Vivemos numa ditadura velada,
muito mais difícil de ser vencida do que a explícita (a antiga).

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