sábado, 18 de dezembro de 2010

Uma história mal contada

 Olá, meus queridos! Entrei de férias da faculdade, e retomei meu lugar na mesa literária. Hoje, deixarei aqui um post (atrasado) sobre uma história mal contada da História brasileira: a Revolta da Chibata.
   É preciso dizer que o que me inspirou falar sobre assunto, além de o centenário do levante ter sido em 22 de novembro de 2010, foi o fato de Moacir C. Lopes ter falecido um dia antes de a Revolta dos Marinheiros haver completado um século.
    Todos sabem quem foi João Cândido, mas e esse Moacir? Entre outros, ele escreveu um livro chamado "O Almirante Negro _ Revolta da Chibata, A Vingança", no qual discorreu de forma clara e completa sobre a rebelião, apresentando desde as origens do movimento até seus desdobramentos, mostrando vários integrantes e episódios importantes da revolta que geralmente não chegam ao conhecimento da maior parte das pessoas.
    Tal livro é um romance, não um ensaio, e o próprio autor reconheceu que preencheu algumas lacunas da História com a sua imaginação. Mesmo assim, "O Almirante Negro..." nos traz muito da verdade sobre a Revolta da Chibata.
     Em estilo modernista, com um uso muito interessante do discurso indireto livre, e em narrativa não-linear, o narrador da história é o jornalista Sérgio Gama, que viveu no contexto da revolta, ou seja, o Rio de Janeiro de 1890 a 1910.
     Não direi aqui o que todos sabem. Direi, por exemplo, que foi a bordo do navio Aquidabã (que é o nome de uma rua muito próxima a minha), que, em 1906, ocorreu um episódio muito interessante.
     Em um certo dia, nesse navio, serviram como almoço feijão com carne-seca para os marinheiros. Eles foram se servindo, obedecendo a sua hierarquia, até que, na vez dos marujos menos graduados, apareceu um rabo na panela. Um dos marinheiros gritou para todos os outros que aquilo não era parte de carne-seca, e que tampouco era rabo de porco ou de boi, pois o encontrado na comida era muito pequeno. Então, um grumete achou, bem no fundo da panela, cabeças, patas e pêlos de rato. Logo, em outras mesas, foram encontrados mais dessas surpresas nos pratos (espero que vocês não estejam lendo isso na hora de uma refeição).  Vários marinheiros invadiram os banheiros dos oficiais para defecar, pois os mictórios dos subordinados não davam vazão; houve até aqueles que usaram a casa-de-máquinas como banheiro alternativo... E o que aconteceu com esses atrevidos? Receberam profusas chibatadas... Um dia depois, convencidos de que não havia solução para o desprezo dos poderosos pelos marinheiros, explodiram o navio. Nas palavras de Moacir: "Um suicídio coletivo. Que morressem todos, oficiais e marinheiros".
    E sobre a Revolta da Chibata propriamente dita? O livro fala sobre tudo, desde os ataques e estratégias militares, até o destino dos revoltosos, passando pelas articulações políticas. Aí entram os senadores Rui Barbosa e Pinheiro Machado, inimigos parlamentares. Aquele é a favor da causa dos marinheiros, e propõe a Anistia. Seu ferrenho opositor também apóia esse projeto, mas apenas para acabar com a revolta, que tomou os mais poderosos navios da Marinha, e depois rasgar a lei.
       Sobre o destino dos revoltosos, muitos foram caçados pelo Rio, e fuzilados nas ruas.  Houve também dois que morreram queimados em um incêndio provocado no Sobradinho, lugar de onde eram transmitidas mensagens por rádio entre os rebeldes. Os mais importantes, porém, foram jogados em masmorras e torturados, e vários foram colocados no navio "Satélite". Essa embarcação, com destino ao Acre, levava em seus porões, além de subversivos, prostitutas, ladrões e assassinos. Afinal, se já se estava fazendo uma limpeza, pondo para fora do Rio a escória da Marinha, era melhor aproveitar a oportunidade e se livrar de tudo ruim de uma vez, não?   
        O "Satélite" era um navio fantasma. Poucos poderosos sabiam de sua existência, e a embarcação não constava de nenhum registro oficial. Ao longo da viagem, vários marinheiros foram fuzilados; entretanto, houve uma fuga de prisioneiros, e vários rebeldes, prostitutas e criminosos escaparam...
        Mas para que ninguém aqui pense que a História é escrita em preto e branco, é necessário dizer que, na época da Revolta da Chibata, vários oficiais da Marinha _ a maioria dos oficiais recém-formados _ não apóiavam a forma como os marinheiros eram tratados. O problema é que os mais antigos _ justamente os mais graduados  _ pensavam diferente.
        Há muito mais por escrever sobre o romance, sobre a vida (inclusive pessoal) dos rebeldes, e outros personagens, como barões e jornalistas... Porém, prefiro, em lugar disso, colocar aqui uma canção, feita na época da Ditadura para alguns verdadeiros heróis da República Velha, os quais, de 1964 a 1985, foram varridos da História oficial pelos militares.
          
         Entretanto, como essa postagem propõe ser diferente das outras homenagens feitas à Revolta dos Marinheiros, não posso deixar de falar do presente. Apesar de o aspecto social do Brasil ter melhorado, ainda há muito por fazer. Se o livro de Moacir falava em escravidão existente na Marinha por volta dos anos de 1900, não podemos nos esquecer de que ainda hoje ela se reflete no Brasil, em todos aqueles que veem seus direitos sociais (à saúde, à educação, à moradia, por exemplo) serem negligenciados...

6 comentários:

  1. Espero que tenham gostado de saber mais a respeito de um dos mitos de verdadeiros heróis brasileiros!
    Carpe diem!

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  2. Isabela,

    show de bola e belíssima lembrança.

    Saravá!

    L.A. Simas

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  3. Obrigada, professor =)
    Para quem quiser conferir o texto de Simas sobre a mesma temática, o link é: http://hisbrasileiras.blogspot.com/2010/11/para-todas-as-flores-da-noite.html
    É desnecessário elogiar esse mestre de História amante da cultura popular, e seu blog, Histórias Brasileiras, que repassa as histórias mal contadas do Brasil, contando-as bem, como deve ser.
    Saravá =)

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  4. Delícia de texto Isabela. Adorei! E com música e tudo... Muito bom! Beijo

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  5. Taí, post muito legal! Informativo e muito bem escrito. Parabéns!

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