quinta-feira, 14 de julho de 2011

A política da ignorância

           Depois de três longos meses, voltei. Desculpem a demora; culpa da UERJ obviamente. Mas prometo compensar a minha ausência com vários textos ao longo destes trinta dias sabáticos.
         Com tantos assuntos colhidos nos noticiários durante esse meu recesso forçado, é difícil escolher aquele que abordarei primeiro. Entretanto, como gosto de estabelecer relações entre as notícias, começarei pelo tema da educação.
        Parece contraditório que alguém que entra de férias queira se estressar. Vocês devem estar pensando que eu deveria ter começado a falar de amor, ou continuar a tendência do post anterior e fazer um texto inspirado por um ponto do roteiro cultural do Rio. Mas quem entrou de férias foi a estudante de Direito. A escritora agora pega novamente a pena e o teclado para recomeçar a sua obra.
        Nunca investiram da forma adequada na educação pública. A novidade é, entretanto, que agora nossos políticos estão investindo para torná-la pior. O ENEM é o grande exemplo disso. Em 2009, se tornou uma grande prova de resistência (com 180 questões e uma redação para serem feitas em apenas duas etapas, em dois dias seguidos), e o governo se mostrou incapaz até mesmo para providenciar a segurança de uma gráfica, o que resultou no adiamento da prova devido a vazamento de questões. Em 2010, houve problemas no gabarito e mais modificações no já confuso formato. E em 2011, a UFRJ o adotou integralmente como vestibular (o que por si só, é um absurdo devido à essência e ao histórico do ENEM) e avisou isso com a larga antecedência de quatro meses...
      Além disso, os professores da rede pública, que ganham um salário risivelmente incompatível com o esforço de ensinar, estão sendo continuamente ignorados em suas reivindicações por aumento salarial. As negociações ainda estão em curso, mas devido ao entusiasmo das autoridades em relação a esse setor, todos já sabem qual será o resultado...
        Não é sequer dada a oportunidade de o cidadão ajudar voluntariamente os alunos de escola pública. Cito aqui o meu exemplo. Nesse ano, separei alguns bons livros didáticos para doar. Creio que totalizaram vinte exemplares. Procurei na Internet os telefones do setor da Secretaria Municipal de Educação que cuidava de doação de livros. Recebi um tratamento digno de central de telemarketing, sendo transferida de uma divisão para outra, para no final ouvir uma excelente piada. Disseram-me que o governo federal já providenciava todos os livros didáticos necessários para os alunos da rede pública. Fui professora particular de um aluno desses durante alguns meses em 2010; ele apenas tinha um livro didático (de História), e todo o resto do material eram folhas elaboradas pela prefeitura. Devo concluir que os livros das várias outras disciplinas eram desnecessários? 
           Nas escolas públicas, o que menos se faz é ensinar. Recentemente, em menos de um mês, houve três festas de confraternização em uma escola pública perto da minha casa. Além disso, há excesso de comprometimento com exposições (na época da Copa do Mundo, as aulas foram praticamente suspensas na escola de meu ex-aluno para que os estudantes tivessem tempo de fazer trabalhos sobre futebol. Nada contra o esporte anglo-saxão, mas parar de seguir normalmente o currículo é um pouco demais, não?). Mais um exemplo da falta de compromisso com as aulas é o excesso de atividades extras como terapia e educação sexual. Tudo isso é necessário, entretanto, o ensino é posto em segundo plano para que se privilegiem esses diversos pontos.
            O governo deveria ser processado por propaganda enganosa quando resolve alardear suas "conquistas" na educação. A "última" foi quando resolveu orgulhosamente anunciar que a média dos estudantes de rede pública em um exame para avaliar o nível das escolas estatais havia aumentado alguns décimos. Isso foi dito como se fosse realmente um grande feito de nossos excelentes governantes.
            Esse seria o penúltimo parágrafo do meu texto, mas me deparei agora há pouco com a notícia de que o índice de repetência no ensino fundamental é de cerca de vinte porcento e, no ensino médio, é de aproximadamente trinta. Como se não fosse o suficiente, o nosso muito amado MEC declara que, para corrigir essa distorção, as escolas devem simplesmente reprovar menos e usar outras ferramentas para melhorar o aprendizado.  Ninguém nega a importância do reforço escolar; se feito adequadamente, as taxas de repetência cairão vertiginosamente. Entretanto, reprovar aqueles que merecem ser reprovados é uma obrigação e uma necessidade. Passar de ano aqueles que não estão em condição de avançar de série é uma mera maquiagem. Afinal, esses estudantes não têm o conhecimento necessário para passar de ano, e não compreenderão a matéria ensinada na série mais avançada. Além disso, estamos em uma meritocracia (o que aparece na nossa Constituição); as conquistas devem ser alcançadas por merecimento. Se um estudante não conseguiu passar de ano, se ele não o mereceu, não deve ser aprovado. E é claro que há a questão óbvia de que a escola se propõe a dar o conhecimento apropriado a cada ano para os estudantes daquela série. Se o aluno não consegue assimilar esse conhecimento na primeira vez em que cursa um ano, deve cursá-lo de novo. Segue o link da notícia: http://oglobo.globo.com/educacao/mat/2011/07/13/um-em-cada-cinco-estudantes-do-ensino-fundamental-esta-atrasado-na-escola-924889704.asp
            A mentalidade atual é a de desvalorização do estudo. Para que fazer dever de casa? E para que colocar o filho em uma escola melhor, se todo colégio é igual, e o verdadeiro símbolo do sucesso é o carro do ano? E caso haja alguma festa ou viagem para ir, por que não faltar à escola? Se o dinheiro escassear em razão das dívidas contraídas no cartão de crédito para pagar smartphones e roupas de grife, o que impede você de colocar sua criança em um colégio muito mais barato (talvez até um público) e tirá-lo do professor particular? Esse modo de pensar precede a destruição progressiva da educação, e é terrivelmente alimentado por ela.
            Nossos governantes querem nos manter na ignorância. De que modo iríamos continuar elegendo a eles e seus aliados?

3 comentários:

  1. E a eleição de 'palhaços', literalmente, é só para distrair dos problemas principais. Vendo as notícias nos últimos dias no Brasil pergunto-me, sinceramente, o que estaria motivando nossos políticos, tão 'compromissados' a boicotarem deste jeito todo o país... Ótimo post, vou divulgá-lo no meu blog! Um abraço fraterno :-)

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  2. Oi, Isabela! Brilhante seu artigo. Há um verdadeiro movimento retórico em favor da educação por parte dos governantes, mas apenas no sentido de atender as demandas quantitativas. Eles adoram números mirabolantes de acessos e de aprovações. O detrimento é a qualidade, sem dúvida a cada ano pior. É impressionante o número de pessoas que tem se formado sem sequer compreender um texto ou saber redigir uma lauda compreensível. O negócio, me parece, é repor mão de obra escolarizada no mercado e só. Abraços. Paz e bem.

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  3. Isabela, minha querida! Hoje vim pra comentar, digo-dizendo assim mesmo, que é num de primeiro pra elogiar, é claro, mas com nada de “smarmy words”, cê sabe... Num de sincero mesmo... Elogio porque merecido pelo texto de primeira linha, minha amiga das letras. E em abordagem muito interessante também. Gostei do artigo, de verdade. E vejo que cê manda muitíssimo bem, em altura encantável, também neste gênero – ó que zás em deliciura te ler também assim... É, escrever é mesmo coisa que corre no sangue dos que. Verso e prosa, cê sempre traz pra gente coisa de muita belezura em escrita... Sabe aquela coisa de quando a gente lê um bom texto e fica assim, à la sugestão do Umberto Eco, conversando com ele, emendando ele, até aqui-acolá dizendo da gente pra ele e também ouvindo palavras dele ressoarem na gente muito tempo? Pois então que assim eu desde a primeira vez que li este. De verdade: pelo estilo, pelo trato elegante com a língua nossa, também pela temática e por um bocado bom de outros, é este um escrito que põe na gente aquela boa dinamite, que é pra gente desdeixar nunca de pensar nisso, né? Boa escolha no tocante à temática, sem dúvida também! Será que até quando a gente vai cismar ficar indignada com coisa tão importante quanto a educação, hein? Às vezes até pinta uma descrença; noutras, uma de esperança de que um dia talvez... Como é que pode, no fim das contas, e como cê mesma se (nos) indaga, como é que pode descaso tamanho? Sabe o que é? Triste, mas é: that’s the big deal! Metem a gente (quase) tudo nesse esquema corporação de tudo quanto nos diga respeito e, então, vão querendo pra gente isso mesmo: que a gente muito mais um smartphone do que propriamente um de fazer pensamentos-além, né? Eita, política mesmo da ignorância! Eis que vai dar num sem-fim de buracos de fechadura ou nos tantos abismos (que não mais de um ou mais sonhos)... Ilusões que de há muito perdidas?, essas nossas pela via de vontadeando giro melhor pra educação? Senão vejamos... Beijo imenso procê, minha querida! Parabéns pelo de hoje e pelos de sempre, tá? Ah, e não posso deixar de dizer, claro: saudade também dos versos teus, hehe...

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