domingo, 27 de junho de 2010

A morte de Saramago

  "De Deus e da morte não se tem contado senão histórias, e esta é mais uma delas."
     Essa é uma frase retirada da página 146 do romance "As Intermitências da Morte", do maravilhoso escritor português José Saramago, que faleceu no dia 18 de junho, aos 87 anos.
      "As Intermitências da Morte", escrito por Saramago aos 83 anos, conta a história da morte, que, farta de ser odiada pela Humanidade, decide fazer uma greve. Ninguém mais morre. Mas o que a princípio deveria ser uma bênção, acaba se revelando uma maldição, e solicita-se a volta da morte a seu trabalho. Ela retorna, mas modifica algumas regras: as pessoas recebem uma carta da dama sete dias antes de morrerem, para que possam resolver seus assuntos pendentes. Os versos de Mário Quintana tornam-se obsoletos nesse contexto de Saramago: "A vida é uma estranha hospedaria/ De onde se parte quase sempre às tontas/ Pois nunca nossas malas estão prontas/ E nunca nossas contas estão em dia."
   Mas esse não é o fim do romance. A morte termina por ser encontrar com um tímido violoncelista, ao qual teve de pessoalmente entregar sua carta, que sempre acabava voltando para ela... E desse encontro a dama sai surpresa...
    Certamente a morte também se surpreendeu ao encontrar o autor dessa e de tantas outras obras fabulosas. Não podemos saber a reação da dama, mas todos os que ficaram do lado de cá lamentaram a passagem de Saramago, até mesmo a Igreja Católica de Portugal, apesar de ele ser ateu e crítico mordaz da instituição. Os padres que se pronunciaram a respeito foram respeitosos, o que prova que ainda podemos nos surpreender positivamente com a Igreja. O link que mostra isso é: http://g1.globo.com/pop-arte/noticia/2010/06/igreja-catolica-de-portugal-lamenta-morte-de-saramago-ateu-e-critico.html. Entretanto, por muitas vezes, Saramago foi duramente criticado pela Santa Sé enquanto vivia, o que não deve ser esquecido.
    Não podemos esquecer tampouco que Saramago também criou controvérsias com a comunidade judia, chegando a ser acusado de "anti-semita", por declarar que os judeus não aprenderam nada com o sofrimento de seus pais e avós no holocausto, usado como desculpa para justificar tudo que fazem. Os defensores do intelectual declararam que ele se referiu apenas à política israelense, que é muito agressiva em relação à Palestina. Saramago falou amplamente sobre essa questão, criticando bastante a atitude desumana de Israel.
    Há muito ainda o que falar sobre o escritor, que, além de romancista, foi jornalista, cronista, contista e poeta. Porém, prefiro, em vez de continuar falando sobre sua biografia, deixar aqui um poema de Florbela Espanca, uma das maiores poetas portuguesas e uma de minhas grandes influências. Infelizmente, José tinha oito anos quando Florbela morreu, de modo que nunca puderam trocar opiniões. Mas quem sabe agora no Além eles não podem se encontrar?
   Boa noite, José.
  
À morte

Morte, minha Senhora Dona Morte,
Tão bom que deve ser o teu abraço!
Lânguido e doce como um doce laço
E, como uma raiz, sereno e forte.

Não há mal que não sare ou não conforte
Tua mão que nos guia passo a passo,
Em ti, dentro de ti, no teu regaço
Não há triste destino nem má sorte.

Dona Morte, dos dedos de veludo,
Fecha-me os olhos que já viram tudo,
Prende-me as asas que voaram tanto!

Vim da Moraima, sou filha de rei,
Má fada me encantou e aqui fiquei
À tua espera... quebra-me o encanto!

4 comentários:

  1. Texto SENSACIONAL! (como sempre, né? hahaha)
    Eu lembro de receber a notícia da morte do Saramago num quadro de avisos na faculdade - "O Saramago MORREU! ):" - e, apesar da idade avançada, foi um baque. Ainda tinha esperança de ter meu autógrafo dele e tal :/ fazer o quê, né?

    Entretanto, o que mais mexe comigo é que ele citou uma vez numa entrevista a avó dele próprio: "A vida é tão bonita. E eu tenho tanta pena de morrer." :(

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  2. Adorei o texto *-*
    O Saramago era, de fato, um excelente como escritor, mas principalmente como pensador!
    E sensacionais suas citações do Quintana e da Florbela :)
    Adoro os dois, principalmente o Mário.
    Esse vídeo me emociona DEMAIS e é digno de ser visto e revisto: http://www.youtube.com/watch?v=Y1hzDzAvJOY

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  3. Obrigada pelos comentários =)
    Saramago merece todas as homenagens, sem risco de hipérbole.
    Carpe diem =D
    PS: O vídeo a que a Paulinha se refere é tocante *-*

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  4. Isabela, obrigada pela visita! Que coincidência a gente postar o mesmo poema da Florbela! Quanto ao Saramago, não li ainda As Intermitências... mas fiquei muito triste com a morte dele. Um beijo grande, belo espaço, adorei teu texto. Voltarei sempre aqui. Beijo, Tati

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