segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Vinhos e Versos Reserva

    Na Espanha e na Itália, os vinhos Reserva são os que envelhecem um determinado tempo dentro de barricas de carvalho e, depois, em garrafas antes de chegarem às mãos dos consumidores. Esses vinhos têm um sabor superior, e quanto maior for o tempo em que eles adormeceram, mais especiais são.
  Há alguns dias, comprei um vinho que carregava esse predicado. Logo, me pus a pensar nos meus versos Reserva: aqueles que ainda não publiquei nesse blog por alguma circunstância, muito provavelmente a minha hiperbolicamente severa auto-crítica ou a clássica e verdadeira falta de tempo.
    Mas eu não devo ser medrosa, nem acomodada, nem mesquinha e guardar esses deliciosos versos, de diversas safras, só para mim ou para os pouquíssimos leitores que possuem exemplares do meu livro. Portanto, começo a postar aqui, a partir de agora, os meus poemas Reserva. Alguns são ácidos, outros suaves, e há aqueles que uma vez bebidos, ficarão para sempre no sangue da alma. Espero que, como os vinhos intitulados da mesma forma, esses versos adquiram um quê maior de encanto ao serem publicados aqui para degustação...  
    Eis o meu presente de Natal, de uma poeta enófila em todos os sentidos.
   
Alforria    

 
No bater de palmas ritmado da senzala,
libertos, cativos celebram a nova vida,
sem grilhões, algemas ou chibatas,
que se revela através da carta de alforria.


Floreios de ouro, cantos de prata,
aos ouvidos dos que de cobre são feitos,
bendita essa carta! E bendita seja
dos escravos sua infindável alegria.


É festa dos negros e dos mulatos,
é na senzala, onde foram torturados,
que comemoram, enfim, sua libertação!
Foram libertados de maldito confinamento,
que tornava sua vida um tormento,
pois eram cativos do coração!



A um amor cruel eram submissos,
senhor de tantos cativos,
cativos só, uma multidão!
E, sem aviso, encontraram a Espada,
feita de luz, lâmina afiada,
que se chamava Nova Paixão!




Seu amor do passado, santificado,
entre rosas e cravos, virou pó no ar!
Seu caixão cremado alimentou as chamas
da bela emoção que iam idolatrar_
e que a eles foi escravizar
(ou será libertar?)

sábado, 18 de dezembro de 2010

Uma história mal contada

 Olá, meus queridos! Entrei de férias da faculdade, e retomei meu lugar na mesa literária. Hoje, deixarei aqui um post (atrasado) sobre uma história mal contada da História brasileira: a Revolta da Chibata.
   É preciso dizer que o que me inspirou falar sobre assunto, além de o centenário do levante ter sido em 22 de novembro de 2010, foi o fato de Moacir C. Lopes ter falecido um dia antes de a Revolta dos Marinheiros haver completado um século.
    Todos sabem quem foi João Cândido, mas e esse Moacir? Entre outros, ele escreveu um livro chamado "O Almirante Negro _ Revolta da Chibata, A Vingança", no qual discorreu de forma clara e completa sobre a rebelião, apresentando desde as origens do movimento até seus desdobramentos, mostrando vários integrantes e episódios importantes da revolta que geralmente não chegam ao conhecimento da maior parte das pessoas.
    Tal livro é um romance, não um ensaio, e o próprio autor reconheceu que preencheu algumas lacunas da História com a sua imaginação. Mesmo assim, "O Almirante Negro..." nos traz muito da verdade sobre a Revolta da Chibata.
     Em estilo modernista, com um uso muito interessante do discurso indireto livre, e em narrativa não-linear, o narrador da história é o jornalista Sérgio Gama, que viveu no contexto da revolta, ou seja, o Rio de Janeiro de 1890 a 1910.
     Não direi aqui o que todos sabem. Direi, por exemplo, que foi a bordo do navio Aquidabã (que é o nome de uma rua muito próxima a minha), que, em 1906, ocorreu um episódio muito interessante.
     Em um certo dia, nesse navio, serviram como almoço feijão com carne-seca para os marinheiros. Eles foram se servindo, obedecendo a sua hierarquia, até que, na vez dos marujos menos graduados, apareceu um rabo na panela. Um dos marinheiros gritou para todos os outros que aquilo não era parte de carne-seca, e que tampouco era rabo de porco ou de boi, pois o encontrado na comida era muito pequeno. Então, um grumete achou, bem no fundo da panela, cabeças, patas e pêlos de rato. Logo, em outras mesas, foram encontrados mais dessas surpresas nos pratos (espero que vocês não estejam lendo isso na hora de uma refeição).  Vários marinheiros invadiram os banheiros dos oficiais para defecar, pois os mictórios dos subordinados não davam vazão; houve até aqueles que usaram a casa-de-máquinas como banheiro alternativo... E o que aconteceu com esses atrevidos? Receberam profusas chibatadas... Um dia depois, convencidos de que não havia solução para o desprezo dos poderosos pelos marinheiros, explodiram o navio. Nas palavras de Moacir: "Um suicídio coletivo. Que morressem todos, oficiais e marinheiros".
    E sobre a Revolta da Chibata propriamente dita? O livro fala sobre tudo, desde os ataques e estratégias militares, até o destino dos revoltosos, passando pelas articulações políticas. Aí entram os senadores Rui Barbosa e Pinheiro Machado, inimigos parlamentares. Aquele é a favor da causa dos marinheiros, e propõe a Anistia. Seu ferrenho opositor também apóia esse projeto, mas apenas para acabar com a revolta, que tomou os mais poderosos navios da Marinha, e depois rasgar a lei.
       Sobre o destino dos revoltosos, muitos foram caçados pelo Rio, e fuzilados nas ruas.  Houve também dois que morreram queimados em um incêndio provocado no Sobradinho, lugar de onde eram transmitidas mensagens por rádio entre os rebeldes. Os mais importantes, porém, foram jogados em masmorras e torturados, e vários foram colocados no navio "Satélite". Essa embarcação, com destino ao Acre, levava em seus porões, além de subversivos, prostitutas, ladrões e assassinos. Afinal, se já se estava fazendo uma limpeza, pondo para fora do Rio a escória da Marinha, era melhor aproveitar a oportunidade e se livrar de tudo ruim de uma vez, não?   
        O "Satélite" era um navio fantasma. Poucos poderosos sabiam de sua existência, e a embarcação não constava de nenhum registro oficial. Ao longo da viagem, vários marinheiros foram fuzilados; entretanto, houve uma fuga de prisioneiros, e vários rebeldes, prostitutas e criminosos escaparam...
        Mas para que ninguém aqui pense que a História é escrita em preto e branco, é necessário dizer que, na época da Revolta da Chibata, vários oficiais da Marinha _ a maioria dos oficiais recém-formados _ não apóiavam a forma como os marinheiros eram tratados. O problema é que os mais antigos _ justamente os mais graduados  _ pensavam diferente.
        Há muito mais por escrever sobre o romance, sobre a vida (inclusive pessoal) dos rebeldes, e outros personagens, como barões e jornalistas... Porém, prefiro, em lugar disso, colocar aqui uma canção, feita na época da Ditadura para alguns verdadeiros heróis da República Velha, os quais, de 1964 a 1985, foram varridos da História oficial pelos militares.
          
         Entretanto, como essa postagem propõe ser diferente das outras homenagens feitas à Revolta dos Marinheiros, não posso deixar de falar do presente. Apesar de o aspecto social do Brasil ter melhorado, ainda há muito por fazer. Se o livro de Moacir falava em escravidão existente na Marinha por volta dos anos de 1900, não podemos nos esquecer de que ainda hoje ela se reflete no Brasil, em todos aqueles que veem seus direitos sociais (à saúde, à educação, à moradia, por exemplo) serem negligenciados...

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Requerimento de licença poética

   Desta vez serei educada: peço licença para sair da mesa literária, e voltar em breve. Por quê? Ora, é fim de período lá na UERJ, e todos do curso de Direito estão estudando muito, inclusive esta escritora aqui. Sim, eu sei que havia prometido postar novamente logo, mas eu estou sujeita a mudanças de planos.
   Para os que acham que priorizar a vida concreta (a vida lá fora) em relação às publicações, por um período, é negligenciar a Musa, Ela manda dizer que não é bem assim. Afinal, a Dama está em todo lugar, e mesmo no turbilhão do cotidiano, os escritores a veem. E sempre dão um jeito de encontrar uma caneta e uma folha de papel, e usá-los em raros oásis de ócio...
 Com licença poética,
  Isabela Escher Rebelo. 

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Fotopoesia

 Sei que as eleições mal acabaram, e de novo mudo de assunto da política para o lirismo que não tem a ver com o poder. Os leitores desse blog já sabem, entretanto, que não falo de política só em épocas de eleição, assim como não discuto qualquer assunto só enquanto os gigantes da mídia se ocupam disso. Nesse espírito, prometo em breve postar sobre um tema já quase esquecido pela comunicação em massa, e que envolve interesses políticos também.
  Mas voltemos ao presente. Hoje e aqui o lirismo não estará apenas em palavras. Ofereço a vocês também o lirismo das imagens. Que todos tenham olhos para enxergar a Poesia onde quer que ela esteja!

"Para além da Terra, para além do Infinito,
eu procurava avistar o Céu e o Inferno.




  
                                                         Uma voz solene disse-me:





"O Céu e o Inferno estão dentro de ti.'''


PS: Os belíssimos versos são de Omar Khayyam, poeta persa do século XI, autor de "Rubayat". A tradução é uma variante da que aparece no livro "Solo de clarineta, Memórias I", de Érico Veríssimo, no qual tive meu primeiro contato com Khayyam. As fotos foram tiradas na murada da enseada da Urca por Pedro Amorim. E, nesse ensaio, sendo eu a modelo, virei parte de uma fotopoesia...

domingo, 31 de outubro de 2010

Em busca da salvação

 Todos procuram, de alguma forma, a salvação. Mesmo quem não se encaixa na categoria de religioso fervoroso (como eu) a busca. Como? Aplicando a moral na sua vida. A moral não é matéria exclusiva da religião; aquela precede essa, tendo nascido junto com a própria convivência em grupo na Humanidade. Nesse sentido, a diferença entre os religiosos fervorosos e os que não são reside no fato de que esses se preocupam muito mais em aplicar princípios morais nos quais acreditam pela razão ou emoção do que em seguir de forma estrita e cega ordens supostamente vindas de uma entidade superior.
    Mas esse não é um texto filosófico sobre moral e religião; de novo, abordo a política. Muitos políticos brasileiros parecem ter esquecido completamente a moral em suas vidas públicas, a julgar pelos já bastante conhecidos casos de corrupção e mesmo do fato de negarem ad aeternum a sua culpa. Muitos o fazem. Amém.
     Entretanto, queridos irmãos, a religião só é invocada quando convém no cenário brasileiro atual. Quando vários dos nossos amados governantes praticam a corrupção, especialmente desrespeitando o mandamento cristão "Não furtarás", eles se esquecem de todas as doutrinas cristãs que proíbem tal prática. Mas quando as eleições chegam e uma questão carregada de cunho religioso vem à tona, mais uma vez ela é relembrada por partidos, governantes e candidatos.
      Que coincidência! O que eu escrevi se aplica muito bem a esse segundo turno, presidencial, no qual os dois candidatos dizem ser contra o aborto, a favor da vida e da família, discurso tipicamente religioso, incitado por causa de declarações de que Dilma era a favor do aborto.
      Esta será, infelizmente, a questão que norteará as eleições: quem é verdadeiramente o candidato cristão, Dilma ou Serra? Essa é a pergunta que milhões de católicos, evangélicos e espíritas (obviamente, os fervorosos) se fazem diante da escolha que têm de fazer. Como eu já disse aqui na postagem anterior, para que se preocupar com questões como economia, política externa, desigualdade social, concentração fundiária, direitos sociais? Bobagem...
       Aos nossos queridos iludidos religiosos, eu digo: apenas Deus sabe até que ponto os posicionamentos de certos políticos traduzem suas verdadeiras crenças...
       É revoltante ver uma eleição ser praticamente decidida pela religião, mas é isso que vai acontecer. Cabe aqui elogiar sinceramente Marina Silva, que não usou o púlpito como palanque e que sempre quis preservar o Estado Laico. Não, ela não é atéia, pelo contrário, é evangélica; e assim, prova que a razão e a moral política não são exclusivas dos céticos.
        A grande maldição da tradição política brasileira é a busca do messias. O povo sempre está esperando por apenas um líder que consiga, sozinho, consertar o país. E agora o termo "messias" se torna mais apropriado ainda, em vista do caráter religioso desejado por muitos eleitores em seus governantes.
     O que fazer agora? Só sei que continuo a minha eterna cruzada: buscar a palavra que pode verdadeiramente nos salvar. Deixo aqui um antigo poema meu, mas que vale a pena relembrar:


Revolução


 A palavra destrói os grandes reinados;

por trás de uma gota de sangue, tinta azul há.

A palavra que afaga, que sorri amiga,

é a mesma que pode chicotear.


Da coroa de ouro e de diamantes,

com punhais a palavra há de se armar.

A palavra destrói os grandes reinados;

por trás de uma gota de sangue, tinta azul há.


Escrita em lágrimas ou em sorrisos,

nos olhos, na alma, estática jazerá.

Mas se a transcrevermos numa folha amarelada,

rubros corações há de sangrar.


Espada de luz que nos banha em tormento,

riso febril que traduz sofrimento,

leal traidora a nos circundar.

A palavra que afaga, que sorri amiga,

é a mesma que pode chicotear.



PS: Happy Halloween...

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Vórtices: entre o livro, a cruz e a espada

   Estou de volta. Sim, eu sei que saí sem avisar, e me ausentei por longo tempo, tudo isso devido ao fato de eu ter começado a cursar Direito na UERJ em agosto. Como já disse antes, no poema "Monotonia", eu precisava de um mundo novo para explorar, e devo dizer que o mundo uerjiano me sugou como um vórtice: vários textos interessantes e volumosos para ler, festas, amigos, provas... Mas não desejo me eximir de culpa: eu deveria ter avisado a vocês de que me ausentaria bastante, poucos e bons leitores desse blog. Cogitei mesmo fazer isso, mas terminei por sequer concluir a postagem de requerimento de licença poética pelo mesmo excesso de compromissos e cansaço, que existiu desde o instante em que entrei na UERJ.
   Mas agora voltei. Sei que logo o vórtice universitário me pegará de novo, mas agora que tive a chance de emergir por um breve período dele, vou falar de um outro turbilhão aqui: as eleições brasileiras.
   No primeiro turno, vimos vários candidatos mal articulados, com propostas vagas e utópicas, e não raro encontramos aqueles na prática abertamente corruptos. E agora?
   Agora chegamos ao segundo turno, de caráter exclusivamente presidencial, e ganhamos uma maldita surpresa: as eleições serão decididas pelos evangélicos, espíritas e católicos fervorosos. A controvérsia sobre a posição dos candidatos a respeito do aborto e do casamento gay dominou a cena política. Por quê, Deus? 
   Não é preciso ter uma visão para descobrir a resposta. O Brasil é um país em que a religião tem mais influência política do que na maioria das nações ocidentais. Não sejamos inocentes: em qualquer país do mundo, pareceres religiosos influenciam de alguma forma a política. A religião está enraizada na maior parte dos seres humanos, de tal forma que agem muitas vezes de acordo com ela. Mas essa influência, na maior parte do mundo ocidental, foi bastante reduzida, a ponto de não decidir eleições. O Brasil, mais uma vez, é exceção.
    Será que Dilma quer a legalização do aborto? Será que Serra é o verdadeiro candidato cristão? Infelizmente, essas se tornaram questões fundamentais para as eleições brasileiras. Por que se preocupar com coisas secundárias como distribuição de renda, melhores serviços públicos, políticas econômicas internas e externas? Bobagem! Vamos falar do respeito à vida dos fetos, mas não nos preocupemos com os que já saíram do útero materno e aqui vivem, nesse Brasil...
    Quando eu era criança, ficava entusiasmada com as eleições. Assistia todo o horário eleitoral e chegava a decorar as músicas de campanha de alguns candidatos. Agora que cresci, vejo que praticamente nenhum político brasileiro mereceu essa reação de uma pessoa. Isso vale para o momento atual principalmente. O triste é ver que muitos eleitores não cresceram, são crianças que ainda saem por aí com os olhos brilhando ao divulgarem seu messias. E uma coisa muito lamentável também é ver o nível geral da propaganda política.     
    Como se não bastasse a exposição vaga das propostas de governo (quando elas existem) e o ataque hiperbólico ao adversário, há sempre aqueles slogans ridículos e tentativas lamentáveis de criar empatia com o povo, que ultrapassou a esfera do "Jovem vota em jovem" e alcançou o nível de se contratar cabos e fantasiá-los de caixinhas de leite (estampadas com a foto de um certo candidato cujo sobrenome é Leite) para que eles dancem no sinal. Não preciso citar os nomes dos políticos que se prestaram a isso, os cariocas os conhecem bem...
      O pior é ver que o povo se presta a esse circo. E quanto mais nos afundamos em ignorância e desinteresse político, pior fica. Ao contrário do que disse o famigerado deputado eleito por São Paulo, pode ficar muito pior, sim.  
       Deixo aqui um poema meu, intitulado "Brasil". Apreciem a ironia...
      
Brasil
      
Ó terra dos quentes trópicos,

onde se sepultam sonhos utópicos

e objetivos surreais!

Tu és bela como a brisa marítima,

que faz voar os cabelos das raparigas,

e que sacode as folhas dos coqueirais!



Como um cravo que nasceu do fogo,

como uma estrela feita de ouro,

adejas neste céu anil!

Como um sabiá a cantar,

repousa, lânguido, sobre o mar,

tu és o nosso Brasil!



Ó Brasil tão cantado,

país tão famigerado,

aqui venho louvar-te!

Nos meus versos o homenagearei,

tal qual um grande rei,

que a seus pés venho prostrar-me!



E apesar das colossais impurezas,

possuis tantas belezas,

e virtudes sensacionais!

Brasil meu, és terra dos quentes trópicos,

onde se sepultam sonhos utópicos,

e objetivos surreais!

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Alma romântica

  "Sou romântico? Concedo./Exibo, sem evasiva,/A alma ruim que Deus me deu."
  Esses são os três primeiros versos da segunda estrofe do poema "Sextilhas românticas", escrito pelo excelente Manuel Bandeira. Talvez você, leitor, esteja confuso, pois não era para o bardo ser modernista? Sim, ele é, mas isso não impede que Bandeira tenha recebido influências românticas, como esse e vários outros poemas (entre eles o famosíssimo "Vou-me embora pra Pasárgada" e uma versão de "Belo Belo") lindamente revelam.
  Alguns ainda acham, contrariando a clareza trazida pelo tempo, que o Romantismo brasileiro deve ser desprezado. Não digo que o Romantismo é melhor que o Modernismo, mas certamente aquele nos deu versos belos, e se influenciar textos modernistas ou contemporâneos positivamente, qual é o problema?
  O próprio Mário de Andrade, um dos mais importantes líderes do movimento modernista da primeira geração, ao longo do tempo, reconheceu que deve haver liberdade artística, e que escolas literárias passadas, como o Romantismo, podem sim influenciar o Modernismo com bons resultados.
  É nesse espírito que coloco aqui alguns versos meus que evidenciam a vertente romântica da minha alma. Um abraço para Bandeira e para Andrade!


Olhos vítreos 


Meus olhos são impuros, pois provém da mistura
de elementos diáfanos, translúcidos, surreais,
talvez não impuros, talvez somente sejam
um par de olhos irreais.


 Meus olhos são filhos do ar invernal,
ao mesclar-se com a superfície da água
pura, límpida, gélida, luzidia,
e desses dois com mil lágrimas diáfanas.


Não obstante, diamantes de fogo
teimaram, nesse feitiço, entrar,
tecendo, com desvelo, escassos fios de ouro
que quebram a tundra do meu olhar.


Estrelas de gelo, cometas errantes
perdidos na imensa e larga vastidão
dum Universo paralelo, criado por mim,
ou pelos caprichos do meu coração!


Assim são meus olhos;
como as calotas polares, ninguém irá adivinhar
que pulsa o sangue, explode o magma,
dentro do Vesúvio do meu olhar.


 Tênue coração


Meu coração pulsa doidamente,
febrilmente, ávido de emoção,
como uma criança a correr pela casa,
como o vento que uiva e corta qual uma navalha,
como se fosse uma sina, uma maldição!


Grande sonhador sem rumo certo,
com asas do tamanho do firmamento,
ainda voas pelos mais fascinantes lugares e desertos;
tuas asas não excedem teu sofrimento!


Encontra-se imerso na rubra inquietude,
que se transmite pelo meu olhar, o meu coração!
Uma doce fome pelos sentimentos da vida,
marcada pelo compasso instável de sua alegre pulsação!


Chamam-te tênue porque perdoas a teus inimigos,
não importando quantas vezes ousem te despedaçar!
Sorris calorosamente a desconhecidos,
não pensando que podes vir a agonizar.

Não chamo-te tênue; chamo-te forte,
como é forte um corajoso leão,
pois bravamente suportas o teu tormento,
pois ainda lutas, meu caro coração!


Não te tenho piedade; a misericórdia
é para os que, vencidos, se encontram desesperados;
ainda lutas, embora ensangüentado,
pelo mesmo mundo de que de ti riu!


És nobre e conserva essa nobreza,
como da prata há a eterna pureza,
às vezes alegre, às vezes triste!


És nobre, purpúreo, mas não te rebaixes nem curves
ao mundo que te acusa e que a ti ruge,
que te acusa injustamente com o dedo em riste!


O Poente

A tarde ia-se embora,
levando consigo as rosas,
que o Sol fez desabrochar!
As rosas, agora, eram outras,
no ar estavam soltas,
ao mundo iluminar!



Eram rosas, rubras e belas;
Eram flores, pálidas e singelas,

que, nas trevas, sozinhas, luziam!
E duvido que alguém percebesse, além de mim,
o cântico sem fim,
com que elas nos advertiam:
“Mortais, ouvi com atenção
o seu pobre coração,
para não serem como nós, sofredoras;
vivemos à Eternidade, sim, confessamos,

mas já fomos humanas e cem lágrimas derramamos,
estamos presas e não soltas;
Presas dentro de nós mesmas,
e apesar de sermos estrelas,
preferiríamos ter sido loucas”.


Afinal, esses raros primores
recusaram todos os amores,
que o Destino lhes oferecia;
Por medo, receio ou pânico,
viraram-se em puro pranto,
em estrelas esquivas.